Clube dos Procrastinadores Anônimos

CLUBE DOS PROCRASTINADORES ANÔNIMOS


Vou enrolar o curso

Luciana Bugni

(Publicado originalmente aqui)

A semana mal começou e você, certamente, já começou a adiar as coisas. Um post nas redes sociais faz piada: "Procrastinei uma entrega por um mês e acabo de fazer o trabalho em 20 minutos. Poderia ter sofrido por menos de meia hora, mas preferi sofrer 30 dias e 20 minutos", diz um desconhecido no Twitter.

Trinta dias é exatamente o tempo em que fiquei mergulhada no assunto "procrastinação", tentando entender por que o cérebro humano posterga o que vai ter de resolver de qualquer jeito. Empurrar as obrigações leva à culpa e consequentemente ao sofrimento. Olhando de maneira prática, não faz o menor sentido. Mas, curiosamente, é muito comum viver assim: acordar pensando nas obrigações, arrumar desculpas para não fazê-las, sentir culpa, dormir pensando que o amanhã será diferente. E repetir o ciclo no dia seguinte. Há grupos de discussão e cursos à venda na internet para tentar "curar" procrastinadores que não conseguem sair desse ciclo. Fui buscar ajuda neles e conto o que aprendi aqui.

Apesar de não ser uma procrastinadora clássica - entrego trabalho no prazo e lavo a louça assim que acaba a refeição, por exemplo -, sou capaz de listar projetos pessoais todos os anos e deixar 100% deles para o ano seguinte.

Antes de começar a escrever esse texto, passei 40 minutos "scrollando" uma rede social que não me acrescentou absolutamente nada. E então, tenho a desculpa ideal para não ir à academia, para não fazer as unhas, para não ler um livro: estou sempre trabalhando em alguma entrega que eu poderia ter feito antes, se não tivesse ficado no Instagram ou WhatsApp.

Pelo Google, encontrei um grupo que se denomina "Procrastinadores Anônimos". Os textos disponíveis no site me dão uma lista de passos para começar a trabalhar no assunto. "Comece do início. Quantos anos você tinha quando começou a procrastinar? Você consegue se lembrar da primeira vez em que isso apareceu como um problema?", questiona o texto. A frase me leva a pensar nas semanas de provas da escola, em que os professores orientavam a dividir e organizar os estudos semanas antes dos testes — e eu me pegava tentando absorver três meses de ensino de química duas horas antes da prova. E falhava, claro. Um clássico.

O próximo passo é fazer uma lista de tudo em que estou falhando na vida adulta. Essa é fácil. Meditar todos os dias está escrito em todos os meus propósitos desde 2017. Fazer exercícios pode ser considerado um fracasso - eu faço por três dias e paro por três meses. Somaria à lista alguns cursos, aula de yoga e a escrita de um romance iniciado que protelo há vários anos.

O documento me manda então traçar metas e eu já desanimo. Sigo por mais algumas linhas e percebo que os ensinamentos têm um viés religioso, que não têm muito a ver com o que estou buscando. Deixo os procrastinadores anônimos em "stand by" e sigo pela internet em busca de um antídoto mais forte.

Adiando o adiamento

Descubro um Guia Antiprocrastinação de uma empresa chamada Mente Guia. Converso com os responsáveis sobre esta reportagem e ganho uma senha para testar o produto. As aulas são diárias, o curso dura duas semanas e, me dizem, leva apenas 10 minutos por dia. Minha mente já entra em modo procrastinação: e se eu fizer as sete aulas da semana no início da semana seguinte, tudo de uma vez? "Pode ficar pesado", alerta a pessoa que está me atendendo.

Desobedeço, claro.

Ali, descubro rastreadores de rendimento em PDFs que devem ser impressos. Começo a fazer as anotações que usaria para a reportagem e concluo que, se não houvesse o viés do trabalho, não teria a disciplina de anotar tudo com tanta atenção. "A melhor maneira de superar a tendência de procrastinar é disciplinar-se para seguir ou trabalhar em uma atividade específica", me diz o curso. Eu ainda nem cumpri as metas.

Pergunto ao psicólogo clínico Marcelo Giorgis, que trabalha com consultoria empresarial e gestão de pessoas, por que todo mundo só fala em listas. Ele explica que planejamento é essencial, pois organiza o porvir. "Não tem como sair disso: planejamento e o fluxo do tempo caminham juntos", ele afirma. Apegar-se demais ao planejamento, entretanto, pode causar algum transtorno, pois interferências externas ou a quantidade de tarefas podem impactar a realização de tudo.

Fazer para quê?

No dia seguinte, de manhã, retomo projetos pessoais. Começo pela esteira. Enquanto caminho, ouço um episódio sobre procrastinação do podcast "Culpa do Cérebro", de Andrei Mayer, pós-doutorado em neurociências. Ele explica que o que nos faz adiar algo é saber que a recompensa está muito distante. O cérebro busca recompensa imediata - e dá-lhe TikTok, que libera dopamina rápido e satisfaz o usuário. A euforia dos 40 minutos de esteira vem rápido também. O impacto da endorfina me faz bem o dia todo. Sinto algo que a maioria dos esportistas ocasionais sentem: se é tão bom, por que não faço todo dia?

"Quando você se envolve em um determinado comportamento repetidamente, cria um hábito formado em seu cérebro como um caminho neural. Por exemplo, se você comer uma barra de chocolate todos os dias, à tarde, seu cérebro logo adquirirá o hábito de esperar por aquilo", me explica uma das aulas. Julgo ser capaz de transformar a esteira da academia em uma barra de chocolate e acordo mais cedo por cinco dias seguidos para ir à academia. Pronto, criei um hábito, vibro satisfeita.

No fim de semana, entro em uma logística social que me deixa exausta. Na segunda-feira, após um churrasco de 12 horas no domingo, acordo cansada e decido não ir à academia. Pronto, quebrei um hábito. Volto ao zero.

Se ir à academia, que traz benefício imediato, é difícil de cumprir, imagina engrenar em um projeto maior, como escrever um livro ou fazer um curso que pode dar uma guinada na carreira, mas está empacado há anos? "Quanto mais desconfortável você estiver e quanto mais convincentes forem suas justificativas, maior a probabilidade de você procrastinar, buscando fazer outra coisa que lhe tire o foco da tarefa", diz o curso.

Numa rotina de dona de casa, as funções e tarefas domésticas podem se tornar uma procrastinação "do bem". Eu não adiei aquela atividade, apenas deixei para depois porque precisava lavar a louça. O mesmo vale para pegar mil trabalhos. Como sair desse ciclo? Que arapuca.

A guinada do cookie

Numa sexta-feira, havia um plano em casa de fazer cookies às 16h, horário em que meu filho chega da escola. Eu havia começado a trabalhar às 7h; no dia anterior tinha trabalhado até as 23h. O fechamento mais importante do mês havia sido dois dias antes. Como bato cartão para mim mesma, seria plausível parar um pouco antes. Mas eu surto: tenho que fazer dois projetos que envolvem mergulhar no criativo e preciso também fazer as aulas do curso que estavam atrasadas. Como encaixar biscoitos no meio desse dia?

"Verificar seu smartphone a cada 10 minutos, mesmo quando você percebe que não recebeu novas mensagens, notificações e atualizações, significa que você está distraído e não está focado no trabalho ou tarefas", eu leio em uma das aulas, enquanto o relógio se aproxima das 16h. Sempre recebo novas mensagens, tenho vontade de responder. Mas parece prudente virar o celular com a tela para baixo e focar.

A tarde rende e, às 16h, estou no balcão da cozinha, jogando gotas de chocolate à massa de manteiga, açúcar e farinha. O cheiro dos cookies assando me deixa muito satisfeita: consegui. O curso sugere se permitir recompensas e folgas. Eu sorrio.

Depois do dia dos cookies, faço as aulas que faltavam com um pouco mais de leveza. "Que mudanças positivas eu fiz? Como minha vida é melhor?", o professor me pede para refletir. Penso um pouco no assunto e adio a resposta, da qual não tenho muita certeza.

Não considero que rastreei minha produtividade em sua máxima potência, mas fiz avanços e vislumbrei a mudança. Marquei os médicos e fui às consultas. Tracei metas no curto prazo que poderiam aliviar as entregas seguintes. Tirei uma manhã para andar de bicicleta à beira do rio, algo impensável há dois meses, mas senti os prazos correndo pela ciclovia atrás de mim.

Giorgis afirma que o procrastinador adia a realização porque a ansiedade contida nela é alta. "O segredo é balancear o que quero fazer com o que devo fazer. Se as escolhas forem conscientes e adaptáveis ao tempo da realização delas, muito provavelmente a pessoa não se tornará uma procrastinadora, mas sim responsável com suas promessas", garante Giorgis.

O teste final seria começar este texto: um tipo de metaprocrastinação. Viajaria para fora do país dois dias antes da data de entrega e a coincidência me impediria de produzi-lo no dia em que acaba o prazo. Sete dias antes do embarque, faço uma lista de todas as entregas que tenho até a hora de ir para o aeroporto. Calculo que, em 12 horas de voo, tenho tempo de sobra para escrever. Opa, percebo, estou usando minhas velhas táticas de procrastinação. Em vez de cumprir minha obrigação, busco maneiras de sofrer.

Mas então, num ímpeto improvável, lembro os ensinamentos do curso. Digiro as falas de Giorgis na entrevista. Faço um apanhado das anotações do último mês e amarro a reportagem. Pouco antes do ponto final, já percebo a satisfação de entrar em um avião em cinco dias e ver um filme (ou dois) sem estar devendo nada de trabalho. Uau. Dá para começar a meditar. Quem sabe? Uma mistura de meme, podcasts, textos e cursos na internet e muitas conversas sobre o assunto com especialistas surtiram efeito. Parece que aprendi alguma coisa, sim.

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